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18 setembro 2006

Governo depende dos dividendos das estatais.

Equilíbrio fiscal passa a se escorar nos dividendos


18/09/2006

Houve um tempo, bem vivo na memória dos brasileiros, em que as empresas estatais repassavam migalhas ao Tesouro Nacional, seu acionista majoritário, em forma de dividendos. Algumas sequer se davam a este trabalho e não pagavam um centavo à União. Nos últimos anos, essa situação inverteu-se inteiramente. Entre 1997 e 2006, o Tesouro arrecadou, em dividendos, uma verdadeira fortuna: R$ 37,2 bilhões. O dinheiro é tanto que se tornou fonte importante de custeio dos gastos públicos.

Os pagamentos, que já vinham aumentando nos últimos dois anos da gestão Fernando Henrique Cardoso, cresceram de forma significativa no governo Luiz Inácio Lula da Silva. No ano passado, totalizaram R$ 4,7 bilhões. Em 2006, devem bater um novo recorde - R$ 10,8 bilhões, segundo projeções oficiais. A arrecadação poderá ser ainda maior, uma vez que, até agosto, o governo já havia recebido R$ 8,2 bilhões a título de dividendos e juros sobre capital próprio.

É lógico supor que, se as empresas estatais distribuem mais dividendos ao Tesouro, é porque estão lucrando mais. Se não houvesse lucro, não haveria dividendos. De fato, os resultados, principalmente os dos bancos federais e da Petrobras, melhoraram muito em período recente.

No caso dos bancos, uma explicação para o fenômeno são as elevadas taxas de juros cobradas no Brasil, país que ostenta, há vários anos, o título de campeão mundial da modalidade. Tome-se o exemplo do Banco do Brasil, o maior banco do país. Nos últimos quatro anos, seu lucro cresceu 284%, atingindo, em 2005, R$ 4,1 bilhões. No caso da Petrobras, uma justificativa para os lucros recordes está na alta do barril de petróleo. Em 1998, o preço do barril chegou a cair abaixo de dez dólares. Nos últimos meses, superou a casa dos 70 dólares.

Registre-se que, nos exemplos citados, os bons resultados das estatais derivam também da profissionalização promovida na gestão das principais empresas, um trabalho iniciado no governo anterior e, em suas linhas gerais, mantido na atual administração. As companhias estão mais eficientes e isso aparece nos ganhos.

Se, por um lado, é meritório que as estatais estejam remunerando adequadamente seu principal acionista, por outro, é preocupante que o Tesouro Nacional esteja contando com esses recursos para equilibrar o caixa e garantir a meta de superávit primário. A conjuntura tem sido favorável à maioria das empresas públicas, mas os ventos podem mudar. Dividendos são, por sua própria natureza, uma fonte atípica de receitas.

Uma prova cabal de que o governo está contando cada vez mais com esse dinheiro está no fato de que, pela legislação vigente, as companhias de capital aberto devem distribuir aos acionistas, em forma de dividendos, pelo menos 25% do lucro líquido, mas, na prática, as estatais têm repassado muito mais que isso. Além disso, estão antecipando distribuição de lucros que ainda não sabem se vão se materializar.

O Banco do Brasil, por exemplo, distribuía, até 2003, 25% de seu lucro por meio do pagamento de dividendos. Em dezembro daquele ano, o banco elevou a cota para 31% e, agora, está distribuindo 40%. A Caixa Econômica Federal, da qual a União é a única acionista, fez no primeiro semestre um repasse de dividendos e juros de remuneração do capital próprio de R$ 920 milhões, um montante desproporcional ao lucro obtido no período. Em condições normais, a Caixa repassaria 35% do lucro líquido, mas, no primeiro semestre, o percentual chegou a 68%. Além disso, a instituição antecipou pagamento de R$ 294 milhões, amparando-se no lucro projetado para o segundo semestre.

Além de descapitalizar as empresas, uma atitude que pode trazer problemas mais tarde, o governo está contando com recursos extraordinários para cobrir despesas correntes, de caráter permanente, que não param de subir - em 2006 e chegarão a 17,58% do PIB, valor que já supera o total das receitas administradas pela União. É por essa razão que são preocupantes as perspectivas das contas públicas.

A pressão sobre as estatais para recolher e antecipar dividendos mostra que o governo, já tendo saturado a sociedade com a cobrança de impostos, atua no limite para fechar as contas. "A presente política fiscal está em um rumo insustentável", vaticina o ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore.

Enviada por Jaildo Lima de Oliveira. Publicado no Jornal “O Valor Econômico” – 1o. Caderno – Opinião, de 18 de setembro de 2006.

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