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09 agosto 2006

Ser neutro com a natureza


Mais uma reportagem do Valor Econômico de hoje sobre o meio-ambiente e, logo a seguir, a crítica ao conceito de carbono neutro:

Empresas brasileiras aderem ao conceito de "carbono neutro"

Bettina Barros
Todo fim de mês, os 23 funcionários da filial brasileira da Interface - uma das maiores fabricantes de carpetes do mundo - anotam minuciosamente os quilômetros rodados de carro e as viagens de avião que fizeram a negócios nos últimos 30 dias. Com base nesses dados, a empresa calcula o equivalente de dióxido de carbônico (CO2) que joga na atmosfera e o converte em plantio de árvores, compensando a poluição que ela mesma gera. Resultado: a Interface salda a sua dívida com a natureza.

Simples? Mas é esse o raciocínio por trás do movimento que tem atraído centenas de empresas e celebridades internacionais - ainda que sob críticas - e que agora chega ao Brasil. A nova bandeira ambientalista atende pelo nome de "neutralização". E os ganhos se traduzem em marketing e vantagem competitiva, em um mundo em que o consumidor está mais atento aos problemas ambientais.

Ao andar de carro, tomar um avião ou consumir energia, por exemplo, empresas e indivíduos produzem o CO2, um dos seis gases que provocam o efeito estufa. Ser "neutro em carbono", portanto, significa compensar a participação humana no aquecimento do planeta por meio do plantio de árvores (que absorvem o CO2 na fotossíntese) ou, em menor escala, em projetos de energia limpa. A grosso modo, cada tonelada de carbono equivale a cinco árvores.

No Brasil, a Interface foi uma das primeiras a colocar em prática a idéia, seguindo a orientação da matriz americana. Desde 2002, quando iniciou o projeto "Trees for Travel", que obriga os funcionários a medir as viagens que fazem, a empresa já plantou 6,5 mil árvores às margens do rio Tietê, na região de Piracicaba (SP). O programa, desenvolvido com a SOS Mata Atlântica e auditado pela PricewaterhouseCoopers, prevê o plantio de até 25 mil mudas na região.

Além disso, a filial brasileira desenvolveu em 2004 um projeto independente da matriz, o "Carpet Free", que reverte a compra de cada 25 m² de carpetes em uma árvore, plantadas em áreas de manancial.

O gasto anual de R$ 200 mil para aplicar os dois projetos não chega a pesar para um faturamento de R$ 20 milhões previsto para 2006. "Não vemos isso como gastar dinheiro, mas como investimentos no meio ambiente", afirma o gerente de marketing Luciano Bonini, repetindo o mantra já comum nos círculos empresariais. "Esse projeto faz parte da filosofia da empresa".

Na área de eventos, a novidade foi trazida pela banda carioca Rappa, que em junho neutralizou um show para seis mil pessoas em São Paulo. O trabalho foi desenvolvido pela CarbonoNeutro®, divisão da consultoria MaxAmbiental, que fez o cálculo da emissão de CO2 a partir de dados como a viagem aérea para São Paulo dos 17 integrantes do grupo, o transporte utilizado pelo público em um raio de 30 quilômetros e o consumo de energia e de lixo gerados pelo evento. Isso tudo representou 7,63 toneladas de carbono equivalente e correspondeu ao plantio de 38 árvores, na região de Resende (RJ).

"É mais uma atitude que uma solução para o meio ambiente. Só que mostra o quanto as pequenas ações contribuem para o todo", diz Eduardo Petit, da MaxAmbiental.

Mas os projetos avançam a um ritmo rápido, na esteira dos debates sobre aquecimento global que tomam as discussões públicas e acadêmicas. Como é um mercado voluntário - reduz o CO2quem quer, sem qualquer obrigatoriedade governamental -, o número de empresas envolvidas é incerto. Fontes do próprio setor, porém, acreditam que não passam de dez os executores dos projetos hoje no país. Mas o número de interessados cresceu significativamente.

A Natura, de cosméticos, e o escritório Pinheiro Neto Advogados são dois exemplos. Uma grande gráfica paulista, que preferiu ainda não ter seu nome divulgado, também está concluindo o projeto para sua linha total de produção.

A iniciativa tem atraído adeptos devido à praticidade do negócio - zerar a conta de emissões de CO2 dispensa mudanças drásticas na cultura organizacional ou na infra-estrutura. Mais que isso: os executivos começaram a enxergar que a neutralização pode ser uma importante ferramenta de marketing empresarial, o que, por sua vez, agrega valor à marca e ao produto.

"Incluir no balanço da empresa a baixa intensidade de emissões de CO2 atribuirá pontos adicionais, por exemplo na hora de disputar licitação pública", diz Giovanni Barontini, sócio da Fábrica Ethica, que presta consultoria à Natura. "É um investimento institucional que não tem preço", concorda Werner Grau Neto, sócio do Pinheiro Neto.

O tempo de elaboração e os custos variam de projeto para projeto, dependendo de quanto se quer neutralizar e por quanto tempo. O primeiro passo é a elaboração de um inventário, isto é, o mapeamento da rotina da empresa sobretudo em termos de uso de combustível e energia. O cliente decide se quer neutralizar apenas as emissões diretas (feitas pela empresa) ou incluir as indiretas (terceirizados). A partir daí, a consultoria usa metodologias diferenciadas para calcular as emissões e suas compensações: a prática mais difundida aqui é a do plantio de árvores, mas é possível também investir em programas de energia limpa. Os projetos são auditados por uma consultoria independente.

"Na Europa esse mercado já funciona bem. Eles conseguiram montar uma estrutura de alívio de culpa", diz Francisco Maciel, sócio da empresa The Green Initiative e responsável pelo desenvolvimento do projeto de neutralização do Pinheiro Neto. "Aqui, há muitas áreas onde a demanda é reprimida, mas isso deve mudar". O Pinheiro Neto será a primeira empresa de prestação de serviços no Brasil a adotar a prática. O projeto terá duração inicial de cinco anos e deverá envolver cerca de 40 hectares para o plantio de mudas em áreas ciliares.

Em 2005, o escritório investiu cerca de R$ 400 mil em programas socioambientais. Segundo Grau Neto, o investimento neste caso não está definido porque depende da definição de algumas variáveis, como o montante de CO2 a ser convertido e o tipo de muda usada.

Já a Natura finaliza a primeira parte de um ambicioso projeto, que prevê neutralizar não apenas a sua produção, mas a cadeia completa de negócios. "Queremos ser neutro em carbono ainda este ano", afirma Marcos Egídio Martins, diretor de sustentabilidade.


Críticos dizem que medida é "alívio de culpa"

De São Paulo
Como toda discussão que envolve o meio ambiente, a neutralização de carbono tem dividido opiniões. Ambientalistas acusam a iniciativa de desviar a atenção do que realmente importa - atacar as causas da mudança climática - usando medidas "fáceis" para um problema maior. É o que chamam de postura 'não-se-preocupe-apenas-plante-algumas-árvores'.

"Essas empresas estão impedindo a solução para o aquecimento do planeta", disse ao Valor Tamra Gilbertson, do Carbon Trading Watch, grupo de combate ao aquecimento global com sede em Amsterdã. "Precisamos de ações construtivas em vez de esquemas questionáveis para compensar nossa poluição, o que só transfere o problema a gerações futuras", afirmou.

Como exemplo de combate real às mudanças climáticas, Gilbertson cita a redução das emissões de combustíveis fósseis, que são poluentes, por fontes limpas de energia, como a solar. Para isso, porém, a empresa teria de abraçar uma mudança organizacional e de infra-estrutura de fundo, o que representaria mais gastos e esforços.

Para Warwick Manfrinato, pesquisador do Departamento de Engenharia Florestal da Esalq, a neutralização é uma "medida para alívio de culpa". "A empresa se posiciona, mas não por inteiro", diz.

O conceito de "neutro em carbono" não é previsto no Tratado de Kyoto, que prevê a redução das emissões de CO2 pelos países poluidores para 5,2% dos níveis de 1990. A neutralização é uma iniciativa voluntária. (BB)

Lá fora, famosos e grandes grupos já abraçaram a causa

De São Paulo
Os famosos já aderiram. As grandes empresas também. Se a neutralização de carbono só agora desponta no Brasil, na Europa ela arrebatou vários setores da indústria e um rol de celebridades.

O movimento, que teve início há cerca de quatro anos, cresceu rapidamente. Embora não se saiba com precisão quantos projetos foram realizados (já que se trata de iniciativa voluntária e sem fiscalização pública), estimativas do mercado falam em "dezenas de milhares" de adeptos no mundo. Os maiores entusiastas do movimento são os europeus.

Uma das primeiras empresas a lidar com o status de "neutro em carbono" no exterior foi a britânica The CarbonNeutral Company (até pouco tempo chamada Future Forests). Sediada em Londres, a empresa auxilia 200 empresas a reduzir ou compensar emissões de poluentes com o plantio de de mudas em 55 áreas de 14 países, além de projetos em energia limpa.

Sua carteira de clientes inclui pesos-pesados como Honda e Avis Europa, astros holywoodianos como Brad Pitt, Cameron Diaz, Leonardo Di Caprio, Bernardo Beertolucci e até bandas internacionais - Coldplay, Foo Fighters e Massive Attack já neutralizaram seus CDS.

Pitt, por exemplo, pagou US$ 10 mil para a empresa criar uma floresta em seu nome no pequeno reino de Butão, nos Himalaias, numa área em processo de recuperação.

A Avis, que iniciou no Reino Unido a experiência, estendeu o programa para toda a sua rede de lojas na Europa. A empresa planta uma árvore para cada carro que aluga - já foram mais de 200 mil desde que iniciou o programa. "Quando se aluga um carro, o cliente recebe a opção de pagar US$ 2,86 extra para ter seu veículo neutralizado. Isso ajuda a cobrir o custo do plantio", diz a empresa.

Com ajuda do Instituto de Ecologia da Universidade de Edimburgo e do Centro para Gerenciamento de Carbono de Edimburgo (ECCM, em inglês), a CarbonNeutral desenvolveu o modelo de cálculo da relação entre as emissões de CO2 e a absorção das árvores. O ECCM é também responsável pelo monitoramento do seqüestro de carbono por hectare plantado.

Em cada caso, a CarbonNeutral calcula as toneladas de carbono gerados e estabelece o custo para o número de mudas necessárias. Ela fica com um percentual, mas diz que a maior parte vai para a compra de mudas e pagamento de serviços. Os projetos são auditados pela PriceWaterhouseCoopers.

Sua principal concorrente, a Climate Care, viu a quantidade de projetos saltar para o equivalente de 99 mil toneladas de carbono no ano passado, comparado com os menos de 20 mil toneladas registrados em 2002. Há alguns anos, fechou contratos com a British Airways e os jornais "The Guardian" e "The Times". O número de consultas ao seu website para cálculos individuais pulou de 100 mil para 200 mil no ano passado.

"A exposição dos problemas climáticos na mídia e o endurecimento de alguns governos quanto ao nível de emissões contribuíram para o resultado", diz Tom Morton, diretor-gerente da Climate Care.

Segundo o grupo, cerca de 20% das emissões anuais de CO2 advêm do desflorestamento e queimadas. Por isso, o plantio de árvores é uma alternativa considerada importante pela Climate Care. "Além disso, o reflorestamento representa um risco menor", diz a empresa, que também desenvolve projetos de investimento em energia limpa.

A própria PricewaterhouseCoopers lançou no ano passado um programa "verde" de viagens no Reino Unido que prevê uma série de medidas de impacto ambiental. A empresa adotou o mote do "trem primeiro", privilegiando viagens ferroviárias no lugar das aéreas e o aumento do uso de videoconferências como alternativa às viagens. Além disso, a consultoria está neutralizando viagens aéreas e terrestres feitas por seus funcionários com a plantação de árvores.

"Isto está se tornando mais e mais o pensamento predominante nas empresas, especialmente nos grandes grupos", declarou à época Mark Avery, diretor da divisão de serviços da Price. "Essa tendência se espalhará por toda a indústria".

Em maio passado, o Credit Suisse anunciou a neutralização total de suas operações mundiais até 2012 - na Suíça, sede da empresa, o objetivo é ser neutro em carbono até o fim deste ano.

Em 2005, o Credit investiu cerca de US$ 120 mil em projetos de energia renovável na Índia, Nova Zelândia, Alemanha e África do Sul equivalentes aos vôos de seus funcionários na Suíça - uma média anual de 320 milhões de milhas por ano. A compensação pelas viagens aéreas é fixada em 3 francos suíços (US$ 2,35) por hora de vôo.

Paralelamente, a empresa também está colocando ênfase no uso de videoconferências como meio de trabalho. "O uso de videoconferência cresceu 14% no ano passado, enquanto que tivemos crescimento zero de milhagem", disse Patrick Burry, vice-presidente para gerenciamento ambiental.

O HSBC seguiu o mesmo caminho. O segundo maior banco do mundo computa todas as milhas percorridas por seus funcionários - e seus correspondentes em emissões de dióxido de carbono - e divulga a informação em seu relatório anual de responsabilidade social. (BB)

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