12 agosto 2006
Rating e Governança
Artigo na Gazeta de 11/08:
Governança Corporativa - Rating, governança sustentabilidade
11 de Agosto de 2006 - Em 1982, a Manville Corporation, empresa americana da área de materiais de construção, pede concordata na Corte de Falências de Nova York. O que poderia parecer muito comum para um mercado desenvolvido como o americano, onde a falência é um risco associado ao capitalismo, se tornaria um caso emblemático, já que a empresa tinha um rating A, considerado "investment grade", atribuído pela agência Moody’s, que foi subitamente rebaixado para um D (Default). O desastre financeiro ocorreu em consequência da ação de responsabilidade civil por danos sócio-ambientais causados pela fabricação e venda de produtos à base de amianto.
Mais tarde, em 2001, ocorreu o famoso caso de falência da Enron. Embora tivesse uma razoável governança corporativa no papel, a ausência de verificação e classificação de tal estrutura contribuiu para a utilização da contabilidade "criativa" e procedimentos financeiros heterodoxos que acabaram quebrando a empresa e causando prejuízo a milhares de investidores, a despeito da nota de risco investment grade dada pelas principais agências.
Estes dois casos literalmente sacudiram os mercados de capitais e, mais especificamente, a atividade de classificação de riscos das chamadas agências de rating. Contratadas para emitir uma opinião independente sobre o risco de default (não pagamento) de determinadas empresas, governos ou operações de financiamento, as agências trabalham com uma metodo-logia prospectiva, procurando antecipar riscos, em um horizonte geralmente de três a cinco anos. Como é que não conseguiram prever tais riscos e incorporá-los às notas?
Os riscos sócio-ambientais e de governança são mais intangíveis que riscos financeiros e, portanto, difíceis de ser medidos. São profundamente afetados pelo ambiente no qual a empresa opera, onde podemos destacar fatores como: estrutura legal, regulatória e normativa; níveis de aplicação das leis, fiscalização e corrupção; engajamento da imprensa e opinião pública; atuação das ONGs e demais ativistas das causas sócio-ambientais e da governança; setor de atuação da empresa; dentre outros.
Uma abordagem geral para a classificação de riscos consiste no cotejo de três aspectos da empresa classificanda: sua capacidade de geração de caixa operacional; a qualidade de seus ativos e outras fontes de liquidez; e o comprometimento de seu fluxo de caixa e ativos. São utilizados dados do passado e tenta-se projetar o futuro. Tal exercício perpassa pela análise da estratégia da empresa, sua capacidade de execução desta estratégia, o ambiente competitivo e regulatório, e também sua governança corporativa e desempenho sócio-ambiental, dentre outros, tudo inserido em cenários macroeconômicos e setoriais mais prováveis. Um exercício crucial, no entanto, é testar tal estrutura em cenários de estresse.
Uma das maiores dificuldades da classificação de riscos, principalmente no Brasil, é a sofrível carência de informações. As empresas brasileiras ainda são pouco transparentes, tanto por receio de que informações estratégicas sejam espalhadas ao mercado, mas também em função da ausência de sistemas de gestão que possibilitem monitorar indicadores de desempenho importantes, com destaque aqui para os sócio-ambientais. A abordagem da classificação de riscos nestes casos deve ser a de "no news, bad news", ou seja, toda informação inexistente deve ser encarada como fator negativo.
Contribui para essa falta de transparência a cobertura factual e pouco crítica da imprensa brasileira, no que tange a aspectos de responsabilidade sócio-ambiental das empresas. Tal argumento é conclusão de pesquisa do Instituto Ethos, que analisou a cobertura jornalística nacional sobre o tema responsabilidade social empresarial, trabalho apresentado durante sua última conferência nacional em junho.
A tendência é a atribuição de maior peso às questões sócio-ambientais e de governança nos ratings. Como as agências são fortemente dependentes de sua reputação, quem não se adequar corre o risco de ficar para trás e não aproveitar a onda de crescimento do mercado de capitais brasileiro.
(Gazeta Mercantil/Finanças & Mercados - Pág. 3)(Gustavo Pimentel - Analista de governança corporativa e sustentabilidade da SR Rating. E-mail: gustavo.pimentel@srrating.com.br )
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