Reportagem do Estado de S. Paulo de hoje (21/08, p. A12) fala sobre as instituições de ensino que dão lucro.
Contra crise no setor, qualidade e boa gestão
Particulares sobrevivem em meio a vagas demais e alunos de menos
Renata Cafardo
Para seguir no concorrido mercado de ensino superior privado brasileiro, com vagas demais e alunos de menos, sobrevivem os bons não apenas em qualidade, mas em gestão. O último mês foi marcado por movimentos de universidades e faculdades para fugir da crise, com junção de instituições, dispensa de alunos e busca de capital no mercado financeiro. O Estado agora mostra o outro lado, de particulares que deram certo, contabilizando lucros e credibilidade no ensino.Por muito tempo, instituições de ensino superior faturaram relativamente fácil porque havia uma grande demanda reprimida, atendida com um boom no setor - entre 1994 e 2004, o número de instituições cresceu 200% no País. Dez anos depois, a situação se estabilizou e a oferta tornou-se excessiva. Sobrevivem os bons.A Faculdade de Campinas (Facamp) e o Ibmec São Paulo são exemplos disso. Os cursos, em números e em diversidade, se multiplicaram. Áreas exploradas pela Universidade Anhembi Morumbi, como moda e hotelaria, cresceram mais de 1.000%.“Além de crescer em ritmo maior que a demanda, tínhamos o romantismo do educador, dávamos bolsas para amigos”, diz o presidente do Sindicato dos Mantenedores de Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo (Semesp), Hermes Figueiredo. Só no Sudeste, o setor cresceu 104% depois que o Ministério da Educação (MEC) mudou as regras e permitiu a criação de novas universidades, faculdades e centros universitários. “Podem me culpar por aumentar a concorrência, não pelas instituições que não deram certo”, diz o ex-ministro Paulo Renato Souza, responsável pela expansão.RECEITAS DE SUCESSO“A gente não investe em tijolo”, conta o diretor de operações do Ibmec, José Antonio Capito. O campus de 10 mil metros quadrados e custo de R$ 50 milhões aberto neste ano na Vila Olímpia foi construído por outra empresa e alugado pelo Ibmec. “A demanda pode migrar para outra parte da cidade e perderíamos o investimento aqui”, justifica.“Cada vez que o aluno aperta o botão do elevador, perde-se dinheiro”, diz o economista João Manuel Cardoso de Mello, que inaugurou a Facamp em 2000 em prédios térreos. Com investimento inicial de US$ 6 milhões e 18 sócios, já dá lucros e começará a remunerar acionistas. “Ensino de qualidade barato é balela. É preciso pagar bons professores, novos currículos, ótima estrutura”, diz. As mensalidades de Ibmec e Facamp giram em torno de R$ 2 mil.Para o especialista em educação superior da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Abílio Baeta Neves, é possível oferecer qualidade não só para elite, mas as instituições precisam entender que os alunos não chegam com boa formação do ensino médio. “Uma saída é uniformizar os anos iniciais com cursos básicos, desenvolver currículos e material de apoio.” A Faculdade Pitágoras cresce apostando nisso. Cobra em média R$ 600 e tem programas feitos por nomes como Renato Janine Ribeiro ou Roberto DaMatta. “A orientação deles pode levar a uma aula melhor. É a industrialização do ensino”, diz o educador Claudio Moura e Castro, consultor do Pitágoras.
Qualidade do Ibmec ficou conhecida no boca-a-boca
Renata Cafardo
Em 2004, o Ibmec São Paulo, criado pelo investidor Cláudio Haddad e outros sócios, tornou-se uma instituição sem fins lucrativos. A faculdade já existia desde 1999, mas fazia parte de um grupo que tinha também filiais no Rio e em Minas.Hoje, sem vínculo com as outras empresas, tem uma receita de R$ 63 milhões, vindos exclusivamente das mensalidades pagas por cerca de 2.500 alunos e totalmente reinvestida.O Ibmec é atualmente o primeiro exemplo citado por muitos no País ao falar de ensino privado de qualidade. Quando surgiu, ficou conhecido por roubar grandes professores de instituições como Universidade de São Paulo (USP) e Fundação Getulio Vargas (FGV). Segundo o diretor José Antonio Capito, a escola focou apenas dois cursos, Administração de Empresas e Economia. Quase sem propaganda - como é de praxe entre instituições de excelência - foi ganhando status no boca-a-boca. Principalmente depois que os primeiros formandos deixaram a escola para as grandes empresas."Temos que manter o aluno satisfeito. Isso não quer dizer que fazemos o que ele quer, mas sim que temos de dar respostas", diz Capito. Segundo ele, 20% do orçamento é gasto com pagamento de professores, que são enviados freqüentemente à Universidade Harvard para se aperfeiçoar.Para os estudantes, existe a chamada nota por participação, já que são estimulados a se preparar previamente para as aulas e emitir opiniões. "Eles vão levar o sobrenome Ibmec para sempre. Não é como um carro, que ele compra agora e depois, quando vende, não tem mais vínculo nenhum com a empresa."
Anhembi faz parceria com instituição estrangeira
Renata Cafardo
Os 12 prédios da Universidade Anhembi Morumbi são propriedades particulares do reitor Gabriel Rodrigues. Ele os aluga para a instituição, que não é mais só dele. No ano passado, 51% dela foram vendidos ao grupo americano Laureate, no primeiro grande negócio envolvendo compra de instituição de ensino brasileira por capital estrangeiro. "A universidade vai crescendo e precisa de gente mais preparada. Não adianta mais só a família", diz Rodrigues.Para ele, que procurava há cinco anos um parceiro internacional, muitas instituições brasileiras cresceram sem qualquer planejamento e por isso estão em má situação hoje.Com uma receita bruta atual de R$ 245 milhões e consolidação em áreas novas, como Moda, Turismo e Gastronomia, a universidade agora se prepara para oferecer cursos feitos parte no Brasil, parte do exterior."O segredo é trabalhar com cabeça de administrador, definindo metas claras", completa o diretor acadêmico da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), Alexandre Gracioso. A instituição tem 3 mil alunos, mensalidade de R$ 1.650 e nunca cresceu mais que o planejado. Os três cursos - Administração, Design e Propaganda - tem um mesmo foco: o Marketing. "Temos obsessão de refletir em nossos programas o que está acontecendo nas empresas. Todo semestre há alteração no currículo", conta.Com receita anual de cerca de R$ 80 milhões, a ESPM inaugura até o fim do ano um novo prédio, que custou R$ 20 milhões. Uma das novidades é a abertura de um curso de Relações Internacionais, com foco em marketing, claro.
Facamp inova com currículo básico para todos os cursos
Renata Cafardo
Nos últimos meses, investidores internacionais tentaram comprar quatro vezes a Faculdade de Campinas (Facamp). E a instituição não está à venda, diz o diretor e proprietário João Manuel Cardoso de Mello. A Facamp tem hoje 1.500 alunos em quatro cursos - Administração, Economia, Jornalismo e Design - e só 2% de inadimplência, um recorde no setor. Com a alta rentabilidade, Mello já planeja abrir o capital da empresa na bolsa.Além de investir no treinamento do pessoal administrativo - o diretor recusou qualquer funcionário que já tivesse trabalhado em universidades porque "não queria vícios" - a Facamp tem currículos diferenciados. O período de aula é sempre integral e todos os alunos precisam cursar aulas de português, inglês e filosofia."Um professor tem que pedir a minha autorização para usar data show aqui. Isso é instrumento de gente preguiçosa, que fica só lendo a aula projetada", diz Mello. Ele conta que fez uma criteriosa análise de demanda antes de decidir em que áreas atuar e, no ano que vem, vai abrir o último curso, de Engenharia de Produção. "O currículo da Poli (Escola Politécnica) está atrasado; o nosso será de vanguarda. É uma carreira que está em ascensão no mundo todo, que junta administração e economia."Mello e seu sócio Luiz Gonzaga Belluzzo formavam a equipe econômica de José Sarney e também ajudaram a fundar o Instituto de Economia da Unicamp, hoje vizinha da Facamp. Ele oferece bolsas de estudo, mas tem consciência que oferece algo acessível para poucos. "Só dá para oferecer ensino de qualidade para os pobres se o Estado pagar."
Pitágoras evita pesquisa e investe só no ensino
Renata Cafardo
A Faculdade Pitágoras tem crescido tanto que já faz o caminho inverso das instituições brasileiras em prejuízo. Em 2001, surgiu como uma parceria entre a Apollo International, que mantém a Universidade de Phoenix e tem 150 mil alunos nos Estados Unidos, e o Grupo Pitágoras, um dos maiores do País no ensino privado. Há poucos meses, a parte americana foi comprada pela brasileira e a expectativa é aumentar dos atuais 6 mil para 50 mil alunos em 10 anos.O educador Cláudio de Moura e Castro, um dos mais conhecidos do País, assina o projeto pedagógico inovador que contrata grandes nomes para elaborar currículos e orientar os professores. Ele explica que o objetivo da Pitágoras não é se tornar uma universidade, como fizeram muitas das instituições no fim dos anos 90 quando mudaram as regras no MEC.Uma universidade, diferentemente da faculdade, pode criar cursos sem prévia autorização do governo, mas tem a exigência de fazer pesquisa. "Somos uma instituição de ensino, como são as écoles francesas. O setor privado brasileiro não tem financiamento para fazer pesquisa", afirma, citando as instituições estrangeiras que também não são universidades e formam em ensino superior.Para crescer tanto, Castro diz que a faculdade terá uma parte dos cursos a distância, incorporando as disciplinas básicas. "Temos que preparar o aluno para o primeiro emprego, estudando literatura, cultura brasileira, não adianta só focar em engenharia. Muitos deles vão mudar de área."
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