Um artigo do Valor Econômico de hoje sobre as multinacionais latinas. Aconselho a leitura também do relatório do BCG.:
Opinião - Emergência de multinacionais latinas
Por Javier Santiso
O mapa do capitalismo mundial está mudando a toda velocidade. As multinacionais dos países emergentes se impõem daqui para frente no cenário internacional. Se já há algum tempo os nomes das sul-coreanas Samsung e LG eram conhecidos do grande público, agora outros atores surgem na cena internacional. Assim, em 2005, a gigante chinesa Lenovo conquistou um lugar ao sol entre as empresas multinacionais engolindo os PCs da americana IBM. No início de 2006, foi a vez da gigante Mittal, com sede em Amsterdã mas com capital de origem indiana, adquirir notoriedade internacional usando seu lucro na européia Arcelor.
Esses exemplos, no entanto, não são casos isolados. Eles são, na verdade, as partes imersas de um iceberg de dimensões imponentes. Uma miríade de empresas se acotovela nas cancelas de mercados até a presente data dominados por empresas dos países da OCDE. Além da Lenovo, a China já coloca em competição uma dezena de empresas que de Minmetals à Baosteel, passando por Huawei, multiplicam os acordos em outros países emergentes da África, Ásia ou da América latina. Quanto aos gigantes emergentes indianos, além da Tata ou ainda da Reliance, as empresas tecnológicas como Infosys ou farmacêuticas como Ranbaxy começam a ampliar seus mercados para além da península indiana. A Ásia não é, no entanto, a única região do mundo de onde emergem novos atores de um capitalismo internacional que está modificando seu centro de gravidade.
Em 2005, as empresas mexicanas e brasileiras multiplicaram de maneira espetacular suas incursões internacionais. Que se trate de grupos como o mexicano Telmex (que multiplica suas aquisições em todo o continente latino-americano) ou ainda o brasileiro CVRD, que ambicionou durante um certo tempo o francês Eramet (uma operação avaliada em mais de 2 bilhões de euros), essa efervescência confirma uma tendência de fundo: a emergência no tabuleiro internacional das multinacionais dos países emergentes, em particular das multinacionais latinas, as multilatinas. De fato, essa emergência se confirma pela simples observação da última classificação mundial da revista Forbes: na sua lista das 2 mil principais empresas mundiais agora aparecem mais de vinte empresas mexicanas e outro tanto de brasileiras.
Em menos de 10 anos, as companhias mexicanas terão, assim, multiplicado as fusões e aquisições: o valor total das operações chega a mais de US$ 25 bilhões, bem acima dos US$ 20 bilhões utilizados pelas empresas brasileiras que, por sua vez, também entram com entusiasmo no páreo da internacionalização. Em 2004, as empresas latino-americanas investiram mais de 22 bilhões de dólares fora de suas respectivas bases nacionais, ou seja, uma progressão de 500% com relação ao ano anterior.
Há uma década assistimos a emergência de multinacionais mexicanas, como por exemplo o fabricante de cimento Cemex, que hoje em dia segue de perto, e sem complexos, os passos dos dois líderes mundiais europeus, Lafarge e Holcim. Em 2005, apenas dez anos após seu ímpeto inicial, a Cemex dispõe de filiais não somente na América Latina, mas também nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Espanha e no Egito. Bem antes da gigante Mittal, a Cemex já havia feito aquisições maiores na Europa, em particular na Espanha e na Grã-Bretanha. Com mais de US$ 15 bilhões investidos no estrangeiro, a fabricante de cimento mexicano é, sem dúvida, a ponta-de-lança dessa internacionalização latino-americana.
Mas poderíamos multiplicar os exemplos, a começar pela gigante mexicana das telecomunicações, a Telmex, e o de sua homóloga na telefonia celular, América Móvil, que completaram franquias latino-americanas que se igualam agora às da gigante espanhola Telefónica. Da Embraer, líder mundial no setor de jatos regionais, ao lado da canadense Bombardier e da francesa Dassault, aos produtores de celulose como Aracruz, de aço como a Gerdau, de petróleo como Petrobras ou ainda do conglomerado Votorantim, as multinacionais brasileiras aguçam seus apetites internacionais. Só na Argentina elas obtiveram sucessivamente empresas como Quilmes (adquirida pela Brahma - que se tornou Ambev), Acindar (Belgo Mineira), Loma Negra (Camargo Corrêa) ou ainda Pecom (Petrobras), enquanto o grupo ítalo-argentino Techint se tornou comprador da gigante mexicana Hylsamex por mais de US$ 2 bilhões. Durante os últimos anos, os grupos brasileiros multiplicaram as aquisições não somente na América Latina, mas também algumas vezes em países desenvolvidos como os Estados Unidos, ou em outros mais exóticos como a China.
Como suas primas espanholas, as multinacionais latinas das Américas deverão ampliar sua presença para além das Américas se quiserem continuar sua consolidação. Elas têm que enfrentar inegavelmente grandes desafios. Suas capacidades tecnológicas são mais freqüentemente limitadas do que as de suas concorrentes dos países desenvolvidos, ainda que o exemplo da Cemex mostre que isto é possível mesmo em setores a priori de menor intensidade tecnológica. Poucas dispõem de sólidas marcas globais - as cervejas Corona, do grupo mexicano Modelo, agora vendidas em 150 países, correspondem mais a exceção do que regra. No entanto, sejam sozinhas ou com aliados algumas vezes europeus (como exemplo a colombiana Bavária, que fusionou com a belga Ambev), tornam-se por sua vez jogadores cada vez mais internacionais.
Elas devem enfrentar, no entanto, um custo de capital superior ao de seus homólogos dos países desenvolvidos, ao mesmo tempo que devem encarar a competição crescente das outras multinacionais emergentes, coreanas, chinesas ou ainda indianas. Daí essa busca agora desenfreada para se implantar não somente em outros países emergentes, com o objetivo de ampliar seus mercados, mas também de se apresentarem como compradores de ativos nos países desenvolvidos, com o objetivo de ter acesso a um custo de capital menor. Quando a Cemex se implantou na Península Ibérica e depois na Inglaterra, adquirindo operadoras locais, o objetivo era não exclusivamente o de adquirir partes de mercados suplementares, mas ter acesso a capitais com custos menores a partir dessas bases européias. Hoje em dia, a base financeira e estratégica do grupo está em Madri e Londres tanto quanto em Monterrey.
Essas multinacionais dispõem, no entanto, de trunfos sérios. O exemplo da Cemex mostra que, se necessário, é possível inovar em setores básicos, como o de cimento, e demonstrar audácia e visão. Algumas dessas multinacionais latinas podem se beneficiar no futuro de oportunidades de ouro, em particular as mexicanas, próximas do mercado em grande expansão dos hispânicos nos EUA, ou aquelas que de forma geral estão dos setores agro-industriais, onde aparecem em boa colocação a Argentina Arcor, a brasileira Sadia ou ainda a mexicana Bimbo. O exemplo de emergência de suas primas espanholas só podem incitar as multinacionais latinas a irem em frente.
Javier Santiso é economista-chefe e diretor adjunto do Centro de Desenvolvimento da OCDE. Antes foi economista-chefe para a América Latina e Mercados Emergentes do BBVA (Banco Bilbao Vizcaya Argentaria).
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