A reportagem a seguir é uma tradução da revista The Economist, a melhor revista semanal do mundo. Fala sobre a existência de um objetivo que a sociedade deseja atingir, mas que é distorcido. É muito próximo ao que ocorre nas empresas, onde metas são estabelecidas.
Não basta matricular; é preciso saber ensinar, diz avaliação do Bird
The Economist
Uma grande quantidade de tartarugas vivia às margens de um imenso lago. Os meninos costumavam ir à margem e observavam as tartarugas. Algumas vezes as tartarugas andavam em círculos, outras vezes se recolhiam aos seus cascos, como se fossem pedras. Ao ver isso, os meninos davam gargalhadas e batiam palmas. Eles iam para as suas casas e contavam a todos a história das tartarugas. Talvez esta narrativa não seja a mais emocionante, porém menos de metade dos alunos indianos com idades entre sete e catorze anos podia ler este trecho em suas línguas nativas, mesmo se quisessem fazê-lo. Este foi o resultado desanimador de um estudo nacional de alfabetização e conhecimentos em aritmética publicados pela Pratham, uma instituição filantrópica educacional, no começo do ano.
A educação para todos é uma causa popular. Tão popular que a cada década ou duas, governos e agências doadoras prometem colocar todas as crianças do mundo na escola primária até uma certa data, normalmente 10 ou 15 anos mais tarde. Em 1990, estabeleceram o prazo de 2000. Em 2000, passaram para 2015. Tudo o que é preciso, dizem os doadores, é dinheiro e vontade.
O dinheiro pode estar chegando. Em abril, Gordon Brown, o ministro das Finanças do Reino Unido, prometeu gastar US$ 15 bilhões em dez anos para ajudar a concretizar esta meta. A Rússia, anfitriã da reunião de cúpula do G-8 em São Petersburgo, colocou o tema na agenda e US$ 7 milhões do seu dinheiro na mesa. Mas despejar dinheiro no problema não é algo inédito. Desde 1990, o Banco Mundial gastou mais de US$ 12 bilhões em educação primária. O que isso conseguiu realizar? Na semana passada o seu Grupo de Avaliação Independente (IGE, na sigla em inglês) deu o seu veredicto.
Muito mais crianças estão freqüentando a escola primária. Nos 12 países que o IEG estudou em profundidade, os índices de matrícula cresceram a uma média de 19% ao longo dos 10 a 12 anos passados. Em 1996, a Uganda aboliu as taxas escolares para educação primária. Como resultado, as matrículas quase dobraram em um ano, segundo dados oficiais (nos quais alguns estudiosos não confiam). Tanto Quênia como Gana seguiram o exemplo de Uganda.
A iniciativa de reduzir taxas escolares agora é alardeada como um "sucesso imediato", uma das poucas e preciosas vitórias fáceis no tema do desenvolvimento. Realmente, longe de cobrar as pessoas para freqüentarem as escolas, alguns governos, com a ajuda de doadores, agora as subornam para que se matriculem. Eles oferecem refeições gratuitas ou distribuem dinheiro aos pais, sob a condição de estes manterem os filhos na escola. Na Nicarágua, informa o IEG, um plano-piloto que funciona nesses termos elevou os níveis de matrícula em cerca de 22%.
Governos e doadores têm sido muito bem sucedidos em encaminhar as crianças à escola. Mas o que elas aprendem quando estão lá? O estudo do Pratham na Índia é uma das poucas tentativas sérias de apurar isso. Apenas cinco dos 12 países visitados pela IEG realizaram testes padronizados e repetidos para monitorar seu progresso na educação de alunos, em vez de meramente matriculá-los. Os pais não podem preencher esse fosso. Consequentemente, os pais não sabem o que exigir das suas escolas. Essas crianças freqüentemente são os primeiros membros da família a receberem uma educação. No Estado indiano de Uttar Pradesh, 41% das crianças não sabiam ler um único parágrafo, porém apenas 21% dos pais achavam que seus filhos não sabiam ler.
O aumento explosivo na taxa de escolaridade na Uganda veio à custa de uma implosão na qualidade. Três anos depois do início retumbante de 1997, por exemplo, o distrito de Bundibugyo tinha 209 alunos para cada sala de aula. Em 2005, havia uma média de três estudantes por livro escolar no país.
Diante de índices como esses, a resposta óbvia é construir mais salas de aula e imprimir mais livros didáticos - em outras palavras, aumentar os "insumos" na educação. Em Uganda, a reação óbvia é provavelmente a correta. Mas ela pode não ser suficiente. Nos anos recentes, os experimentos demonstraram que simplesmente gastar mais em livros didáticos, lousa ou professores adicionais não eleva necessariamente a média das notas dos alunos.
Mas esses resultados acadêmicos dependem incomodamente dos hábitos dos doadores. No conjunto, eles se distinguem mais por seus contratos de fornecimento que pela pedagogia, são melhores em construção de escolas que em ensino. No Peru, o banco ajudou a melhorar os edifícios, a distribuir livros didáticos e a oferecer treinamento. Mas os professores do Peru continuaram mal remunerados, precariamente motivados e escassamente supervisionados, e raramente são cobrados por resultados. Alguns se recusam a usar livros escolares gratuitos, pois recebem comissões de editoras para darem preferência aos seus livros.
A resposta de Pratham ao generalizado analfabetismo e desconhecimento de aritmética básica foi experimentar. A instituição tentou vários recursos em metade das escolas num distrito ou cidade, escolhendo uma metade aleatoriamente. As escolas remanescentes forneceram um grupo de controle, com o qual foi possível comparar os resultados dos seus esforços. Uma das suas iniciativas mais bem-sucedidas foi contratar alunos com colegial completo, sem capacitação, para oferecer reforço a estudantes que estavam ficando para trás. Esses "balsakhis" (que significa "amigos das crianças") eram baratos, recebiam de US$ 10 a US$ 15 por mês e eram rapidamente treinados, recebendo só duas semanas de instrução prévia. Por desempenharem seu trabalho em saguões ou mesmo debaixo de árvores, não havia nada para os governos ou doadores construírem.
Apesar disso, a educação que ofereceram foi surpreendentemente eficaz. Em Mumbai, elevou em 11,9% a probabilidade de alunos da quarta série entenderem noções de matemática da primeira série. Elevou ainda a probabilidade de superarem o analfabetismo no segundo ano em 9,9%. Os benefícios em outros lugares foram menores, porém ainda assim compensadores.
O tratamento de Pratham pode não se aplicar à África, onde professores plenamente treinados ainda são relativamente baratos. Mas a abordagem das organizações beneficentes - mensurar, testar, avaliar - deveria se enquadrar. Graças aos balsakhis, um número maior de crianças indianas está aprendendo a contar e a ler - bem o suficiente para pelo menos desfrutar as histórias das tartarugas. Se os doadores também estão aprendendo alguma lição é algo que ainda precisa ser verificado.
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