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24 julho 2006

Contabilidade Confusa da Bunge

Contabilidade Financeira

Uma reportagem de hoje do Wall Street Journal Americas mostra a forma diferente com que a Bunge contabiliza os empréstimos aos agricultores no Brasil. Veja a reportagem completa a seguir:

Contabilidade da Bunge suscita dúvidas
July 24, 2006 4:05 a.m.

Por David Reilly
The Wall Street Journal

Quem investe em ações da Bunge Ltd. costuma se preocupar com problemas de larga escala, como, por exemplo, o efeito do crescimento da população mundial na demanda por produtos agrícolas ou a relação dos altos preços do petróleo com as oportunidades de combustíveis alternativos.

Assuntos difíceis, mas talvez mais fáceis de lidar do que os balanços financeiros da empresa. Eles são conhecidos por sua complexidade e freqüentemente têm itens não recorrentes que beneficiam o resultado, fazendo com que analistas questionem a qualidade e a sustentabilidade dos lucros.

Enquanto isso, o fluxo de caixa da Bunge — o dinheiro que a empresa fatura com seus negócios centrais menos despesas de capital e pagamentos de dividendos — foi negativo em três dos últimos quatro anos, segundo a Fitch Ratings. Outra preocupação é a forma como a Bunge informa a receita obtida com empréstimos aos agricultores brasileiros.

O Brasil ficou mais importante no fim do mês passado, quando a Bunge avisou que os lucros do segundo trimestre foram parcialmente afetados por interrupções no fornecimento causadas por alguns desses agricultores brasileiros. Os resultados financeiros devem sair esta semana.

A Bunge, cuja sede administrativa fica em White Plains, no Estado americano de Nova York, mas que está juridicamente baseada nas Bermudas, é uma das maiores processadoras mundiais de óleo vegetal e está entre os maiores produtores de fertilizantes da América Latina. Tem um valor de mercado de US$ 6 bilhões. O Brasil é responsável por mais de metade do ativo da empresa. Ela é uma das maiores exportadores agrícolas do País, além de dona de marcas como Delícia e Primor. A maior parte das vendas é feita na Europa e nos Estados Unidos.

A Bunge é vista como uma "caixa preta" pelos mercados financeiros, disse John McMillin, analista da Prudential Equity Group, durante a divulgação do balancete do primeiro trimestre no começo do ano. Mais tarde ele adicionou num relatório sobre a empresa: "Sabemos quando o lucro é de baixa qualidade quando vemos um."

A companhia discorda que haja algo errado em seus balanços, dizendo que qualquer complexidade nas suas contas é simplesmente reflexo de ela ter negócios agrícolas em mercados emergentes. Desde que abriu o capital, em 2001, a empresa tenta explicar claramente assuntos complexos a investidores e "conseguiu ser bem clara com o mercado sobre como os negócios estão indo", disse William Wells, diretor financeiro da companhia, ao Wall Street Journal.

As explicações acalmaram alguns investidores. Um relatório do Citigroup do começo do mês disse que a queda das ações da Bunge logo após seu anúncio de resultados apresentava uma oportunidade de compra diante da potencial força dos mercados agrícolas mundiais futuramente. Uma recente incursão em empreendimentos com álcool combustível também animou os investidores.

Os céticos continuam preocupados com a complexidade dos resultados da companhia, particularmente em relação ao Brasil. Quando a Bunge negocia a compra da safra, ela normalmente adianta dinheiro aos agricultores. Os adiantamentos são garantidos pelas próprias colheitas ou por hipotecas das terras dos fazendeiros.

Até 2003, a empresa informava essa renda como resultado financeiro em sua demonstração de resultados. Depois, reclassificou-a "como um componente do lucro bruto, para refletir a natureza operacional dessa receita". Essa mudança aumentou o lucro bruto, mas também dificultou a capacidade dos investidores de verificar quanto a companhia fatura com esses empréstimos — exatamente no momento em que os adiantamentos aos fazendeiros aumentaram. Os adiantamentos brutos subiram para US$ 831 milhões no fim de 2005, mais que o dobro do nível de dois anos antes, segundo a FTN Midwest, uma firma de análise de Cleveland, Ohio.

Wells disse que, embora os empréstimos tenham subido em dólar, "o valor do aumento com adiantamentos ficou paralelo ao aumento em volume". A renda foi reclassificada porque é "quase como um desconto na compra", acrescentou, de modo que incluí-la no "custo dos bens vendidos reflete mais precisamente como o negócio realmente funciona".

Vários contadores questionam essa estratégia, dizendo que a renda ou deveria ser mantida fora dos resultados operacionais ou pelo menos ser discriminada. A Securities and Exchange Commission, a comissão de valores mobiliários americana, pediu a outras empresas para seguir essa estratégia quando receitas financeiras fossem incluídas no faturamento.

A Bunge disse que se sente confortável com sua escolha.

No centro do debate está quanto essa receita representa, e quando é contabilizada. A Bunge diz em seus informes que cobra juros baseados nas taxas do mercado local. Depois, os agricultores escolhem o momento, baseados em preços de mercado, no qual a colheita será vendida para a Bunge e os adiantamentos serão pagos. A Bunge começa a contabilizar os juros mensalmente, a partir da concessão do crédito. Mas o estoque a que se refere ainda tem de ser entregue.

A Bunge também descreve os adiantamentos como "empréstimos" nos informes, o que alguns contadores dizem dar mais peso ao argumento de que os valores deveriam ser incluídos no resultado operacional.

É fato que o resultado final não é afetado pela mudança de metodologia na renda dos juros. Mas a FTN diz que a apresentação é uma questão importante porque "investidores podem não se dar conta do tamanho total dos 'rendimentos' sobre os adiantamentos" comparados com os ganhos das operações.

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