A lei 1083 não foi a primeira lei no Brasil Império a tratar das sociedades por ações. Anteriormente a esta lei, a criação de empresas, como é o caso da empresa de navegação a vapor entre o Rio de Janeiro e Niterói (Decreto 2484, de 5 de junho de 1858) já indica algumas regras, como a necessidade de divulgação aos acionistas, anualmente, do “balanço da receita e despesa”. No caso do decreto citado, no seu artigo 25, indicava a obrigação de se ter pelo menos um “guarda-livros para conservar em devida ordem a escripturação” (grafia do original).
O Decreto 2433, de 1859, é outra norma interessante. Detalhava a questão contábil dos bens dos “defuntos e ausentes”. Neste sentido, este decreto apresenta muito mais detalhes contábeis que a própria Lei 1083. Assim, segundo este decreto, a contabilidade dos defuntos e ausentes seria realizada em quatro livros: registro dos inventários, termos de leilão, de razão e de receita e despesa. O artigo 16 do decreto esclarece como seria feito o livro razão e o artigo 17 detalha o livro de receita e despesa:
(clique na imagem para ver melhor)
Um ano antes da Lei 1083, o Decreto 2457, de 5 de setembro de 1859, impôs obrigações aos bancos e sociedades anônimas. Este decreto foi importante, pois trata da evidenciação de informação contábil dos bancos e sociedades anônimas. E era bem mais rigoroso que o decreto 2679 (mais adiante), já que obrigava que no primeiro dia da semana os bancos (incluindo as filiais e agências) a encaminhar para o governo (1) informações sobre
a) cada espécie de letras ou valores do ativo
b) o estado do capital e reserva
c) o estado do fundo disponível
d) a emissão de letras, notas ou vales
e) o movimento das contas correntes, depósitos, valores recebidos por empréstimos e outras operações
Para as sociedades anônimas estas informações deveriam ser encaminhadas mensalmente, através dos balancetes e demonstração das operações.
A Lei 1083
A lei 1083, de 22 de agosto de 1860, é considerada a primeira lei das sociedades por ações (2). Isto talvez seja um exagero, já que esta lei possui somente oito artigos e estava mais preocupada com o sistema financeiro do que com as sociedades anônimas. Tanto é assim que o caput da lei informa (em linguagem da época):
Contendo providencias sobre os bancos de emissão, meio circulante e diversas companhias e sociedades
Observe o leitor que o foco da lei claramente não são as sociedades anônimas. Mas a lei obrigava que a entidade tivesse aprovação do governo para funcionar, conforme está no corpo da lei (no português da época):
Emquanto o governo não declarar constituída uma companhia ou sociedade anonyma, não se poderá emittir, sob qualquer pretexto, titulo algum, cautela, promessa de acções, ou declaração de qualquer natureza, que possa certificar a qualidade de acionista
Mais adiante a lei obriga a evidenciação das informações contábeis (ainda em linguagem da época):
Os gerentes ou diretores das companhias ou sociedades anonymas (...) serão obrigados a publicar e remetter ao governo, nos prazos e pelo modo estabelecidos nos seus regulamentos, os balanços, demonstrações e documentos que por estes forem determinados (...)
Esta questão será detalhada de maneira mais explícita no Decreto 2679.
Consequências da Lei
O mais importante é que a esta lei provocou uma série de regulamentações que foram aprovadas nos meses seguintes. A seguir uma lista pequena de decretos que faziam citação direta a Lei 1083 e os assuntos que tratam:
Decreto 2664 de 10 de outubro de 1860 – regula o processo de substituição de notas dos bancos;
Decreto 2679 de 3 de novembro de 1860 – obrigação de remeterem em certas épocas os balanços e outros documentos;
Decreto 2680, de 3 de novembro de 1860 – marca os deveres e atribuições dos fiscais dos bancos;
Decreto 2685 de 10 de novembro de 1860 – com regras para o funcionamento de bancos;
Decreto 2686 de 10 de novembro de 1860 – marca prazo para aprovação dos estatutos dos bancos e outras sociedades anônimas;
Decreto 2691 de 14 de novembro de 1860 – sobre falência de bancos e outras companhias e sociedades anônimas;
Decreto 2692 de 14 de novembro de 1860 – regula a atividade de penhores;
Decreto 2694 de 14 de novembro de 1860 – emissão de bilhetes e outros títulos ao portador;
Decreto 2711 de 19 de dezembro de 1860 – criação e organização dos bancos, sociedades anônimas e outras;
Decreto 2713 de 26 de dezembro de 1860 – regulamento do imposto do selo e sua arrecadação;
Decreto 2733 de 23 de janeiro de 1861 – transferência e transações de ações;
Decreto 3321 de 21 de outubro de 1864 – indulta os contraventores do artigo 1º. Do Decreto 1083 e modifica o regulamento do selo
Decreto 4019 de 20 de novembro de 1867 – execução do artigo 3º. Do Decreto 1083
Assim, pode-se dizer que mais do que o conteúdo da Lei, o importante foi a produção de atos normativos que se seguiu, em especial no segundo semestre de 1860.
Decreto 2679
Para contabilidade, o Decreto 2679 foi muito relevante, apesar de estar mais focada nos bancos. Talvez seja a primeira norma mais detalhada sobre a contabilidade no Brasil. Logo no primeiro artigo determina o prazo para os bancos (filiais e agências) publicar o balanço mensal como sendo até o dia 8 do mês seguinte. Além disto, deveriam enviar cópia para o presidente da província e para o ministério da fazenda. O texto do artigo primeiro também fala de relatório de administração e das comissões de exame das contas. O decreto também determinava um modelo, anexo ao texto.
Já o artigo 2º. Indicava que para as sociedades anônimas a publicação seria semestral ou no prazo previsto nos estatutos. Além disto, deveriam encaminhar cópia as secretarias de estado. Não estavam abrangidas na obrigatoriedade de publicação as associações religiosas e “corporações de mão morta” (3).
Finalmente, este decreto revogava o 2457.
(1) Leia-se secretaria de estado dos negócios da fazenda e presidentes da províncias.
(2) NIYAMA, Jorge Katsumi; SILVA, César Augusto Tibúrcio. Teoria da Contabilidade. São Paulo: Atlas, p. 17.
(3) Entidades de caráter perpétuo com fins religiosos.
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